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15 de ago. de 2011

Belo Monte e Jirau

As duas hidrelétricas já em processo de construção no norte do país representam mais do que suas próprias estruturas, fazendo parte de todo um aparato político-econômico que legitima aquilo que David Harvey aponta como uma das características da pós-modernidade, a estética pela função e a efemeridade.

A primeira característica responde pela real função de Belo Monte e Jirau. Elas representam mais a atuação política em prol de interesses econômicos particulares do que o discurso de acesso e distribuição de energia para a população, além da fala associada ao progresso e crescimento econômico do Brasil, que permite o entendimento de que a distribuição de energia proveniente destas hidrelétricas estará orientado para o setor empresarial.

Na região amazônica há grande concentração de empresas ligadas à mineração e a demanda por energia é crescente, porém no norte do país este setor esta associado ao avanço do arco do desflorestamento e ao deslocamento de grande contingente populacional para as áreas extratoras de minérios atrás de precárias formas de trabalho e baixos salários e todos os problemas associados como a falta de infraestrutura, poluição, prostituição, etc. O setor também representa, junto a outras categorias, a manutenção da economia do país como exportador de produtos primários com baixo valor agregado.

A questão da efemeridade está também relacionado a estética/função na medida em que estudos demonstram que Belo Monte está sendo construída para produzir 11GW, no entanto, somente em parte do ano, já que o regime do rio não é constante. Além disso, Sevá Filho, professor da Poli – Unicamp, destaca que desgastes e infiltrações nas estruturas das hidrelétricas interferem nos reservatórios e a erosão das barrancas acabam por entupir as represas e levar a um menor rendimento assim, a longo prazo, a viabilidade de uma hidrelétrica depende da velocidade deste assoreamento.

A racionalidade da obra de Belo Monte também é questionada quanto aos seus custos, que atualmente é estimado em R$ 20 bilhões, mas especialistas sugerem que pode dobrar até o final das obras. Para Célio Bermann, ex-assessor do Ministério de Minas e Energia e professor da Poli-USP, seria necessário mais quatro hidrelétricas na região e o repasse do custo de energia a população para compensar os investimentos energéticos e econômicos da obra, isso sem contabilizar os custos sociais e ambientais que a obra acarreta.

Outras questões apontam também para incongruências entre o discurso e os fatos. No que denota a produção de energia limpa é preciso dizer que nenhuma energia é completamente limpa, nem mesmo as hidrelétricas; desde o processo de construção que necessita do uso de muita matéria-prima e o desmatamento até para o canteiro de obras, até a formação da barragem com a submersão da floresta que, posteriormente, entra em processo de decomposição e passa a emitir grande volume de gases do efeito estufa.

A partir da visão macroeconômica – política, a construção de Belo Monte e Jirau representa a escolha de um modelo de desenvolvimento que pauta-se em obras faraônicas com elevado custo ambiental e social. O texto de Rodrigo Nunes esclarece mais sobre as externalidades ambientais e sociais:

“O “crescimento” trazido pela Copa ou pelas grandes hidrelétricas é feito em nome dos pobres: energia para acompanhar o aumento do poder de compra, geração de emprego e renda, melhorias de infra-estrutura. Mas ele acontece às custas de quem? Quem são as comunidades removidas para que a terra que ocupam há décadas seja entregue a especuladores privados, que as transformarão em residências e espaços comerciais onde os antigos moradores não poderão entrar? Quem são os milhares que atravessam o país para ir a Jirau, sujeitar-se a condições ilegais e humilhantes, enquanto as construtoras se escoram no argumento de que o PAC não pode parar para aumentar custos e “flexibilizar” as relações de trabalho e o cumprimento de condicionantes sócio-ambientais? Quem são os outros milhares removidos pela alagação (em Altamira) ou perda de vazão (Volta Grande do Xingu) causadas por Belo Monte – aqueles que já estão sofrendo o impacto da chegada dos que vêm de fora (aumento de alugueis e preços, escasseamento dos serviços públicos, criminalidade) sem que as obras de infra-estrutura previstas como condicionantes tenham sequer iniciado? Enquanto ficamos no âmbito dos números – tantos bilhões de investimento, tantos megawatts produzidos –, o que desaparece é a maneira como esse “crescimento” distribui benesses e prejuízos de maneira desigual.”

Assim, compreendemos como um projeto como Belo Monte e Jirau podem ser economicamente viáveis. Sem mais.

Fonte: HARVEY, David. Condição pós-moderna. 2010.

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