Páginas

27 de nov. de 2011

A Rio+20 e seu affair com a Economia Verde

Sem querer ser alarmista demais, acredito realmente que estamos vivendo uma crise, não somente ambiental, mas também econômica, política, social... em suma, uma crise do modo de vida capitalista ocidental com seu produtivismo e consumismo desenfreados. 

Em âmbito nacional, temos as notícias recentes da retomada dos projetos de usinas nucleares, a exploração de petróleo no pré-sal com seus riscos inerentes, as grandes hidrelétricas na Amazônia e o desmantelamento do Código Florestal em favor de uma oligarquia agropecuarista.

É dentro deste contexto que se realizará entre os dias 20 e 22 de junho de 2012, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio+20. Oficialmente os temas da agenda do evento são a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável, temas dos quais já falamos aqui em outro post. Temas inclusive sugeridos pelo Brasil!

Estes são os perigosos temas os quais devemos desmascarar e refutar, de todas as formas possíveis até a data da conferência e além. Não nos deixemos enganar pelo título bonito e aparentemente benéfico – economia verde. Aliás, atualmente qualquer palavra que venha adjetivada com “verde” já me deixa com o pé atrás.

O termo em questão foi criado tão somente para evitar as ambíguas interpretações que causam tanta discussão até hoje a respeito do termo “desenvolvimento sustentável”, deixando-o mais amigável aos interesses do livre mercado. A economia verde que se discutirá na Rio+20 é basicamente o mesmo capitalismo de sempre renovado frente a atual crise que o próprio sistema deflagrou, ampliando-se os meios de privatização da natureza. Como disse Leonardo Boff em post recente em seu blog:

Fala-se de economia verde para evitar a questão da sustentabilidade que se encontra em oposição ao atual modo de produção e consumo. Mas no fundo, trata-se de medidas dentro do mesmo paradigma de dominação da natureza. Para garantirmos uma produção, necessária à vida, que não estresse e degrade a natureza, precisamos mais do que a busca do verde. A crise é conceptual e não econômica.

Para cumprir seus objetivos são duas as estratégias principais a serem promovidas e operacionalizadas: i) a ampliação da privatização e comercialização da natureza como mercadorias e suas funções como serviços; ii) o desenvolvimento e promoção de novas tecnologias e vasto emprego de biomassa. Todas as soluções convenientemente dentro do quadro de referência da ecoeficiência e do eco-capitalismo. Deve ter um tanto de gente por aí dizendo – Eu não te disse? Eu já sabia.

Da primeira estratégia, derivamos que a ideia é basicamente empregar meios de se precificar, embora chamem de valorar, toda a natureza e suas funções. De que forma? Através dos chamado PSA, ou seja, Pagamento por Serviços Ambientais (ou ecossistêmicos). Trata-se de se redefinir o papel da natureza e da biodiversidade como “bens” e "serviços", a fim de mercantilizá-los, da mesma forma como são conduzidos os projetos de REDD atualmente, com relação às compensações de emissão de carbono.

A PSA trará enormes conflitos dentro e entre grupos indígenas, camponeses e outras comunidades tradicionais pela necessidade que há de se inventar “donos” para os bens, funções do ecossistema e pelo conhecimento sobre a biodiversidade, promovendo desta forma a concorrência por quem receberá pelo comércio destes. Mas como se precifica e paga por bens, funções e conhecimentos que sempre foram comuns e compartilhados? 

Isso sem comentar a pressão que será exercida sobre esses mesmos grupos humanos por organizações inescrupulosas que através de patentes e outros “recursos” legais e ilegais, éticos ou não, para que se  convertam a natureza e os conhecimentos em commodities comercializáveis em mercados especulativos. Os mesmos cassinos globais nos quais se apostam hoje o futuro de milhões de pessoas.

Em vez de um verdadeiro reconhecimento social do papel histórico e presente das comunidades indígenas e de agricultores locais na proteção da biodiversidade e para a produção de alimentos ​​para a humanidade, que deve se traduzir em apoio ao exercício efetivo e abrangente de direitos (incluindo-se os direitos à terra e cultura), a economia verde substitui estes mesmos direitos por transações comerciais, e o que deveria ser política pública, por competição do mercado.

A outra estratégia, o desenvolvimento e utilização de novas tecnologias surge como uma forma de se enfrentar a crise, pois revitaliza a indústria com novas fontes de ganhos de capital. Os investimentos em patentes das mais diversas formas de vida auxilia a indústria farmacêutica e de cosméticos. A biotecnologia produz, literalmente, microrganismos especializados em produzir determinadas substâncias a partir, por exemplo da celulose, revitalizando a indústria química. Enquanto isso, as grandes transnacionais do agronegócio fornecem suas sementes modificadas geneticamente por todo mundo, assunto esse já tratado em outro artigo, solapando culturas, ecossistemas e a biodiversidade. 

Todos estes “avanços” tecnológicos trazem consigo os riscos inerentes a qualquer novidade, pois não há uma base de dados longa e confiável na qual se apoiar para análise. No entanto, dentro da velha crença que o mercado se auto regula, sendo proibida a ação do Estado (até porque este é controlado pelos mesmos agentes  que desenvolvem e empregam estas tecnologias), o princípio da precaução vai sendo relegado em nome no lucro fácil e rápido. Não me parece aceitável que técnicas e materiais sejam empregados sem que antes sejam estudadas as consequências exaustivamente.

Não precisamos desta máscara verde para o sistema capitalista, chamada economia verde. Precisamos de mudanças profundas em nossos valores e em nossa visão de mundo. Precisamos de justiça social e ambiental, de uma distribuição justa dos bônus e dos ônus. Precisamos de uma economia que respeite os limites da Terra, que é também Gaia, nossa pátria mãe comum. O que me faz lembrar de uma metáfora que tempos atrás não me recordo onde: estamos todos no mesmo barco, guiados por uma minoria ambiciosa, divididas em classes e do qual alguns estão sendo lançados ao mar sem salva-vidas. Concorda? Não? De qualquer forma, deixe seu comentário.

Fontes:

Nenhum comentário: